Era uma vez uma jovem mulher. O seu nome não interessa, chamemos-lhe R. Um dia, a R. acordou e viu que a amiga cegonha lhe tinha deixado uma bebé linda linda linda ao lado.
Assim que olhou para ela, soube que também a teria que chamar R., porque eram iguais, tirando a diferença de idade. A primeira R. é a minha Mãe.
Ora bem, a R-Mãe olhou para os olhos da R-filha e viu neles música a correr e pensou "esta menina tem mesmo que tocar algo". Mas como no sítio onde moravam não havia muita escolha, a R-Filha começou a estudar particularmente piano. Aos 3 anos, recebeu o seu primeiro teclado, vermelho, com duas oitavas. Que feliz fiquei nesse natal!
A sua primeira audição foi aos 5 anitos, "old macdonalds had a farm", se bem me recordo. Estava tão nervosa!!
Para além de ser a minha primeira audição, era eu a abri-la. Nem sabia onde estava o dó central! (lamentavelmente, não consegui encontrar a fotografia dessa audição... prometo que se um dia a encontrar, a coloco aqui!!).
Quando era um pouquinho mais velhita, tive que vir morar com a minha mãe para o Algarve. Como ali não havia professores (fomos para uma pequena vila), fui estudar para Espanha, com Juan Carlos Cañada. Aprendi que me fartei, tocava, todas as semanas tinha uma peça nova. Adorei mesmo. Ele sabia ensinar e sabia lidar com crianças, ainda para mais uma criança de 7 ou 8 anos que não falava a mesma língua que ele. Os meus esforços recompensaram, e fui a outra audição. Desta vez, toquei Schumann, "O pequeno cavaleiro".
Que nervosismo! Mas pelo que me recordo, saí-me bem =)
Até aqui tudo bem.
Aos 10 anos, nasceu o meu nenuco vivo, a minha maninha, a minha macaquinha, e tornava-se difícil estar a ir para Espanha com um bebé de meses, até porque toda a gente sabe que, se é verdade que os espanhóis são excelentes com futebol, o mesmo já não se pode dizer das horas... enfim, tive que deixar Espanha.
Começou então uma luta desenfreada por parte da minha mãe para eu poder entrar para o Conservatório Regional do Algarve Maria Campina. Sim, hoje é para esvaziar o saco. Andou cheio muito tempo, e é tempo de eu dizer tudo o que há para dizer.
A primeira história gira deste conservatório é a seguinte:
Mãe - "Queria fazer a pré-inscrição da minha filha"
Funcionária - "Ah, é só no dia tal".
Véspera do dia tal:
M. - "Vinha saber das pré-inscrições"
F. - "Só amanhã"
Dia seguinte:
M. - "Venho fazer as pré-inscrição da minha filha"
F. - "Ah, lamentamos, acabaram ontem".
Sim, é verídico... a minha mãe também lamentou. Lamentou tanto que foi uma carta para a direcção regional de educação do algarve. Entrei logo! Incrível o que uma carta faz, hein?
Ora bem, fui colocada no 2º grau de formação musical, graças a tudo o que tinha aprendido em Espanha, e no primeiro de piano (apesar de estar mais adiantada...).
Tive uma professora (paz à sua alma, que coitada já morreu) que todas as aulas me massacrava para eu ir à secretaria confirmar se estava mesmo no 2º grau, e que todas as aulas nos "lavava" a cabeça, dizendo que "no tempo do Salazar é que era, e que ele devia voltar". Estão a perceber o estilo... boa senhora, sim, mas... enquanto professora... pronto, fiquemos por aí.
No ano seguinte, passei para outra professora de piano. Chamemos-lhe IA. Ela sabe quem é. Digamos que é (seria??) boa pessoa... mas terrível professora. Sabem aqueles professores que vocês sentem que estão a tocar com dificuldades, e que podiam dar mais, mas eles só dizem "está muito bem, parabéns"? Assim foi até acabar o 5º grau... ela pôs-me a ter aulas particulares com o marido dela, Johann Jansonius, o melhor professor que tive até hoje. Ele fazia-me sentir uma verdadeira música. Tinha dois pianos na sala onde me dava aulas, em casa dele, e eu até podia estar a tocar a coisa mais básica do mundo, como "as pombinhas da catarina", que ele arranjada de improviso uma introdução orquestral no outro piano, um acompanhamento à minha melodia e uma terminação. Transformava as pombinhas num autêntico concerto para piano e orquestra. Foi aí que eu comecei a AMAR a música. Eu já gostava de tocar, mas não passava disso... aos 15 anos, ele disse-me "porque não pensas em seguir música? Tu adoras tocar, estudas, tens jeito... pensa nisso". E foi nesse momento que eu decidi que queria ser não pianista mas professora de piano. Queria ser um décimo do que o Johann era.
Nessa altura, comecei a pedir à minha mãe que me mudasse de professora. Eu queria evoluir mais, sentia que tinha muito mais para dar, mas ela achou melhor eu acabar o primeiro ciclo (para quem não sabe, vai até ao 5º grau) com a IA. Apenas para não haver confusão. Na altura não percebi, mas hoje, sabendo a verdadeira pessoa que ela é, agradeço. A minha mãe tem um sexto sentido que nunca se engana.
Enfim, seja como for, no 5º grau, a cerca de um ou dois meses do exame, já não tenho a certeza, mudei para uma "professora". OA. Federação Russa, finalmente tens aqui as notícias que tanto querias!
Esta "professora" fez-me evoluir bastante no início. Reconheço. Mas quando se apercebeu de que eu queria mesmo seguir piano, e como no entender dela apenas os génios de raças superiores merecem tal honra, começou a brindar-me com elogios (que duraram 8 anos... devo ser masoquista, ou algo no género...) no género dos seguintes:
- "tocas uma m***a"
- "fazes Bach parecer um travesti"
- "pareces um elefante a dançar em cima do gelo"
- "és uma inválida ao piano"
- "nunca conseguirás estudar nem tocar piano"
- "nunca conseguirás entrar para o curso superior"
- "não vais aprender nada no superior, tens muita coisa para fazer lá e nunca serás capaz"
- "és uma inválida, não prestas para nada no piano"
- "não sabes nem nunca saberás tocar"
- "não tens técnica"
Coisas assim simpáticas... Isto foi decorrendo durante anos, porque eu não arranjava alternativa de professora, mas comecei a sentir-me a estagnar e não a evoluir como queria. Entretanto, entrei para a Universidade. Como sou lutadora, e sabia que queria música, preparei-me sozinha para entrar em Música. Digamos que de 72 candidatos, fiquei em 3º lugar. Nada mau, hein? Conjugar isto com o 12º... não foi fácil. Mas se houve coisa que a minha mãe sempre me ensinou, foi a lutar pelo que queria, e Música era, foi, e será sempre a minha paixão. Não consegui entrar em piano, mas tudo bem, ainda não tinha nível e sei reconhecer isso. Entrei em História e Teoria da Música, só que na altura, não era bem o que eu queria , e além disso o curso estava extremamente mal organizado. Formei-me então em Arqueologia, nunca deixando de tocar por mim.
Continuei entretanto a ter aulas com a OA. Cada vez me tratava pior, cada vez trabalhava menos comigo. Mas como disse, não havia alternativa. Quando acabei o meu estágio curricular, decidi acabar o 8º grau do conservatório, o 8º grau de piano. Trabalhei que nem uma doida, comecei a estudar 7 e 8 horas por dia. O resultado? Dois braços com tendinites e em gesso. E eu a poucos meses do exame final do conservatório. Quando finalmente tirei o gesso, voltei a atacar o piano. Eu mando em mim, não o meu corpo. Montei o repertório todo de Fevereiro a Junho. Mas aparentemente a OA não acreditou na tendinite. O que é irónico, tendo em conta que foi ela quem ma detectou... adiante. Todos os anos fazia no CRAMC uma audição de carnaval, em que os alunos tocavam mascarados, e eu nunca tinha participado. Tinha o braço direito engessado, mas uma das minhas peças de exame era um prelúdio apenas para a mão esquerda de Scriabin. Pois a senhora OA obrigou-me a ir mascarada apenas para chegar lá e com ar de gozo dizer "não estás a pensar que vais tocar essa m*, pois não?". Juro-vos... doeu, magoou, chorei. Mas não lhe dei o gozo de desistir.
No verão, arranjei trabalho numa empresa de Arqueologia, a AES. Comecei a trabalhar em Faro e a preparar-me para entrar em Setembro, nas vagas para licenciados, em Piano, na UE.
Foi um verão duro. Trabalhar numa empresa de arqueologia é mais difícil do que eu pensava, e o trabalho que estava a fazer não era propriamente dos mais interessantes... era acompanhar a abertura de valas, pelo que o meu horário dependia muito de quantas horas por dia eles estivessem a abrir valas.
Na 5ªfeira antes das minhas provas de acesso, trabalhei 8h debaixo de um sol escaldante. Estávamos em finais de Agosto, e foi um dia duro, em que eles não pararam de abrir valas e eu não me sentei o dia todo. O meu tio tinha morrido há exactamente uma semana e a minha cadelinha, a minha Yasmin, de quem já falei neste blog, tinha ido para o veterinário. Eu estava cansada, exausta, transpirada, a precisar de um banho, e ainda ia ter a última aula. Pedi à OA que me deixasse pelo menos ir à casa de banho trocar de roupa para algo mais leve, passar água na cara e trocar de sapatos. Como podem ver na foto, estar vestida e calçada assim não é a melhor maneira de se ir ter aula, sobretudo depois de 8h em pé... resposta: "nem penses, estás atrasada, não quero saber de mentiras, vais já para o piano, quem julgas que és, ainda por cima está cá outro professor para te ouvir" etc etc etc. Aos gritos, e eu tão cansada que não conseguia reagir, literalmente. Como hão de calcular, não consegui tocar nada. Estava estafada. Ouvi uma descompustura de todo o tamanho, que ela não sabia o que eu ia fazer a Évora, que nunca conseguiria entrar, que nunca faria nada do piano, que era uma inútil. Inútil foi tentar fazê-la perceber que depois de 8h nas condições em que eu estava, era impossível começar a tocar sem parar pelo menos 10 minutos.... paciência, ao que parece há gente de compreensão lenta e humanidade reduzida.
Ao longo dessas aulas no Verão, comecei a ouvir umas bocas estranhas, do género "ah, e tu escreves isto e aquilo no teu blog". Mas nunca me ocorreu pensar em como ela saberia que eu tinha um blog... até que... FIAT LUX! A A. Só podia, e fui burra em não ter percebido antes. Imaginem uma pessoa que vos usa sempre que precisa, e quando já não precisa, amachuca e deita fora. Fez isso comigo, com a minha irmã, com os meus pais, e ou muito me engano ou fará isso com o namorado, que estuda piano na Rússia, é dez vezes melhor que ela e de quem ela ainda tem coragem de falar mal, dizendo que o seu som é "sujo" e que "apenas toca mais ou menos". Ups, A., desculpa, não era para dizer? Temos pena! Também as coisas que eu escrevia aqui não eram para ires enfiar num certo sítio... conheces a lei de Talião? Um olho por um olho, um dente por um dente. Minha queria, eu não sou vingativa, mas quem mas faz, paga-mas. A Federação Russa, que há anos espiolha o meu blog para ir fazer queixas de mim à OA, não passa de ti e do teu P., que estuda curiosamente em Moscovo, de onde consulta o meu blog. É chato, não é? Ter a mania da perseguição, querer saber o que dizem de nós, se falam de nós... Minha querida, já o disse por meias palavras, digo-to agora, e a ti também, P., porque estás a ser usado, e o pior é que nem te dás conta. Já vos topei há muito. Federação Russa, Ucrânia, KGB, perseguições... vocês querem saber tudo, mas esquecem-se que eu tenho uma vida própria, e não faz parte dos meus hábitos sequer PENSAR em vocês... Por isso, A., P., e OA, continuem a vir. Eu estarei cá sempre a defender o que digo, mas também a mostrar que não sou tão atrasada mental nem de uma raça tão inferior como vocês julgam.
Chego então a Évora, a Piano.
Fui cheia de sonhos... mas se eu já me sentia estagnada antes, que dizer do que se passou ao longo destes três anos? Estrgnei ainda mais... mas ganhei uma coisa fantástica. A capacidade de ser autodidata. A capacidade de aprender a partir do Youtube. A capacidade de ser "matreira como gatos e ratos". Aprendi muuuuuuuuito. "Está muito bem, não faz falta nada". Não interessa... podia desmascarar muitas situações. Como por exemplo, "não tenho culpa que os feriados calhem à 3ªfeira", "não vou inventar horas de aulas", "não vou dizer nada porque você sabe tudo", "musicalmente não fez nada", "musicalmente tem coisas muito muito muito boas". Há tantas, tantas, tantas... acumulei tantas coisas durante três anos, e só pensava que quando fizesse exame ia poder despejar o saco. Fi-lo; não completamente visto que o senhor deu costas e foi-se embora, deixando-me a falar sozinha na rua. Estamos entregues à bicharada! Entretanto, ainda tive que ouvir que "tenho que repensar as minhas convicções musicais".
Meu caro senhor, ser músico é isto. Eu tenho umas convicções que não são as suas. Interpreto de maneira diferente da sua, porque a história da minha vida é diferente da sua. Isso não torna a minha música melhor nem pior que a sua. Torna-a minha. Pessoal e intransmissível. Torna-a o meu canal de expressão com o mundo.
Sei que sei fazer isto. É o que mais me importa. A sério.
Lutei muito estes 3 anos. Mas sou licenciada em Piano. Serei professora de Piano. Darei concertos. Serei feliz. E não será graças a si, nem à OA, nem à A., nem ao P.
Será graças à minha família e a quem sempre acreditou em mim.
"Nosce te ipsum"